Quem diria que um jovem negro nascido no Havaí se formaria intelectualmente com fortes influências do escritor e crítico literário Ralph Ellison, do poeta e ativista social Langston Hughes, do filósofo e jornalista Dostoievski, do escritor inglês D. H. Lawrence e do escritor e poeta Ralph Waldo Emerson? Ao invés desse repertório encaminhá-lo para uma trajetória erudita, ao lado das classes sociais mais favorecidas, fortaleceu sua visão crítica.
“Quando jovem, aprendi muito com os escritos de Du Bois. Mas, fosse pela origem e identidade dos meus pais e pela criação que recebi, fosse pela época em que me tornei adulto, nunca tive tal sentimento de “dupla consciência”. Já havia me confrontado com as implicações de minha condição multirracial e com a existência da discriminação racial”, ressalta Barack Hussein Obama II em Uma terra prometida.
Do jovem que perdera seu pai cedo em busca da própria identidade a uma das principais lideranças políticas do mundo, Obama transformou o conhecimento sobre suas origens em um meio de hackear as brechas que o sistema dava. Mesmo quando se tornou uma das pessoas mais poderosas do planeta, ele mantinha seus questionamentos sobre o preconceito contra si e contra grupos considerados minorias.
Entre eles estava a sua esposa Michelle. “Ela compreendia que, além da camisa de força na qual se esperava que as mulheres de políticos permanecessem (a companheira amorosa e submissa, graciosa, mas não confiante demais; a mesma camisa de força que Hillary tinha rejeitado, uma escolha pela qual continuava pagando um alto preço), havia um conjunto adicional de estereótipos aplicados a mulheres negras”.
Nessa caminhada em um terreno árido para quem é negro, o jovem nascido em Honolulu contava com outras referências para além daquelas que o formaram intelectualmente. Do pastor batista e ativista político Martin Luther King ao advogado e ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, lideranças negras o influenciavam muito mais pela prática do que pela escrita. E foi na mobilização social que se apostou as fichas da sua campanha à presidência.
“Nossa posição de novatos nos forçava a confiar mais e mais na energia e criatividade de nossos voluntários craques em internet. Milhões de pequenos doadores estavam ajudando a impulsionar nossa operação, encaminhando links que contribuíam para espalhar nossas mensagens de campanha de maneiras que a grande mídia não era capaz, e novas comunidades se formavam entre pessoas antes isoladas umas das outras”, comenta Obama no livro.
Mas o ex-presidente também lembrou durante seu mandato que o sonho de Luther King ainda estava inacabado. Embora os negros sejam 13% da população dos Estados Unidos, são 24% dos que estão em situação de pobreza e 37% das pessoas desarmadas mortas pela polícia do país. Os assassinatos de George Floyd e Daunte Wright reacenderam a mensagem do discurso no debate público.
O racismo estrutural também dá as cartas no hemisfério sul. Segundo pesquisa, pretos e pardos brasileiros têm metade da renda média per capita que os brancos. O mesmo levantamento mostrou que 15,4% dos brancos viviam na pobreza, enquanto que esse percentual era maior entre pretos e pardos: 32,9%. Além disso, estes também compõem as maiores taxas de desemprego e de vítimas de homicídio.
“Todos os países estão passando pela mesma coisa que os EUA, que é questionar como lidar com a globalização, a tecnologia, a maior interconectividade, e com o nosso impulso em direção ao nacionalismo, formas mais antigas de identidade, tribalismo, preconceito racial”, reconhece Barack Obama. ”Nós vimos algum retrocesso. Parte do meu objetivo com o livro é unir essas forças que dizem que vale a pena lutar por essas ideias e valores”.
Buobooks indica:
Uma terra prometida – Barack Obama
Sinto o que sinto – Lázaro Ramos
A menina sem cor – Fernanda Emediato e Yasmin Mundaca
Sem gentileza – Futhi Ntshingila
De cor da pele – Denise Camargo
Imagens da diáspora – Goya Lopes e Gustavo Falcón
Relações raciais e desigualdade no Brasil – Gevanilda Santos
Abdias Nascimento – Sandra de Souza Almada
Lélia Gonzalez – Alex Ratts e Flávia M. Rios