Histórias contadas nos livros mais antigos da humanidade, como a Bíblia, formaram o inconsciente coletivo e constituíram o imaginário social das mais diversas culturas com símbolos e significados. Assim, durante muito tempo, a imagem da Virgem Maria esteve associada ao ideal de mulher e a gestação foi e ainda é considerada um símbolo de uma maternidade sacralizada. Já dizia o ditado popular: “ser mãe é padecer no paraíso”. 

Não à toa, Maria foi inspiração para diversos personagens da literatura, como Galadriel, Éowyn e Arwen em O senhor dos anéis, de John Ronald Reuel Tolkien. Mas essa visão do que é ser mãe e mulher pouco a pouco se tornou insuficiente para representar experiências – e horizontes – cada vez mais diversos. Quanto mais a informação se tornava acessível, novas narrativas sobre maternidade eram criadas. 

Representações ideais geram pressões e frustrações

No entanto, essas simbologias milenares permanecem fortes no inconsciente coletivo e muitas vezes entram em conflito com as imagens femininas mais recentes. Por exemplo, a de que quando a mãe leva seu filho para casa, se torna a pessoa mais feliz do mundo. Ela vai estar feliz, mas também provavelmente se sentirá exausta e até ansiosa. Talvez tenha vontade de chorar. Isso é  um efeito do ajuste hormonal pelo qual o corpo está passando.

Outra expectativa criada no imaginário das mulheres é de que quando o bebê nasce, acontece um amor à primeira vista. Na verdade, algumas mães não experimentam um amor tão forte por seus filhos imediatamente. Mas isso é saudável, afinal para se apaixonar por alguém, é preciso conhecer esse ser. Alguns psicólogos chamam essa frustração das expectativas sobre o filho por parte da mãe de “interrupção voluntária da fantasia”.

Os efeitos prejudiciais da romantização da maternidade envolvem o desenvolvimento de um sentimento de culpa e o excesso de autocobrança, que por sua vez fazem com que a mulher reserve pouco tempo para si mesma e para o autocuidado, além do aumento da carga mental. Não por acaso, 79% das mulheres brasileiras acreditam que o tema da maternidade deveria ser abordado de maneira mais realista na publicidade, segundo um estudo.

Em alguns casos, a frustração pode evoluir para uma depressão pós-parto ou até mesmo a negligência e maus tratos da mãe contra o filho, em uma espécie de rejeição. No Brasil, isso não é tão raro quanto parece: 55% das grávidas do país, dizem não terem desejado a maternidade na época da concepção, de acordo com uma pesquisa.

Por uma representação mais honesta da maternidade 

Por isso, um movimento recente e espontâneo vem sendo levado à frente para provocar a troca de experiências e a ampliação da consciência sobre o que é a maternidade real. Ele se expressa na literatura brasileira por meio de obras como Eu não nasci mãe, de Lua Barros, Dar à luz na sombra, de Ana Gabriela Braga e Bruna Angotti, e Feminismo materno, de Nathalia Fernandes.

Em tempos de isolamento, essa discussão se torna ainda mais necessária para a saúde delas, uma vez que as mães dormem menos do que os pais e cada criança adicional traz 50% a mais de chance da mulher ter um sono insuficiente, segundo estudo. Outro levantamento mostrou que 36,5% das mulheres já deixaram o trabalho para cuidar dos filhos e que 92% das mães em home office são responsáveis pelos filhos.

Dados e representações mais plurais do que é ser mãe precisam vir à tona não só para evitar os efeitos negativos das frustrações de expectativas, mas principalmente para fortalecer e preparar a mulher para os desafios que podem vir. Compreender a maternidade na sua forma mais realista significa estar ciente dos possíveis momentos amargos e doces e de que haverá dias e noites mais fáceis.

Os principais benefícios da promoção de representações e símbolos mais próximos à experiência da maternidade real são proteção equilibrada – nem demais, nem de menos – ao(s) filho(s), o reconhecimento – e aceitação – dos próprios limites por parte da mulher, e a liberdade de encontrar a sua própria forma de demonstrar amor e se relacionar com seu filho.

Buobooks indica:

Eu não nasci mãe – Lua Barros

Dar à luz na sombra – Ana Gabriela Braga e  Bruna Angotti

Feminismo materno – Nathalia Fernandes

Sou a mãe dela – Adriana Araújo

Fitness emocional na educação dos filhos – Zuila Freire