Na pandemia, é possível ver o lado bom do lado ruim

Ouvi do cientista político Sérgio Abranches, numa conversa online alguns dias atrás, um prognóstico alentador. Em meio a diferentes e sombrias análises que ele próprio fez sobre a crise que nos atinge, um lado positivo pode emergir da pandemia: sairemos dela mais solidários, com maior capacidade de aprender e praticar a empatia, e uma noção maior dos problemas de quem está ao nosso redor

Nada mal de se ouvir isso num momento em que tudo parece ruína.

Em tempos de isolamento social, os sentimentos de tristeza, depressão, medo e ansiedade se misturaram à demonstração inicial de egoísmo (pessoas estocando alimentos, por exemplo). Mas aos poucos passamos a buscar maneiras de enfrentar o problema coletivamente e seguir adiante – jovens oferecem fazer compras para idosos, doações milionárias de empresas e empresários, distribuição de cuidados entre moradores de favelas, preocupação com os profissionais de saúde são alguns dos sinais do aprendizado a que a Abranches se referiu.

A crise instalada, profunda e possivelmente duradoura da Covid-19 reafirma uma máxima sábia: na vida, pode haver um lado bom em qualquer lado ruim.

Não à toa um dos maiores sucessos recentes no mercado editorial brasileiro – e disponível aqui na Buobooks – são os livros do médico psiquiatra Daniel Martins de Barros. Cito um deles. Leve na forma e sólido no conteúdo, O lado bom do lado ruim (publicado pela Sextante) é um guia exemplar de como a ciência nos ensina a usar a tristeza, o medo, a raiva e outros sentimentos negativos a favor da (boa) vida.

Aviso: ver o lado positivo dos sentimentos negativos é bem diferente de enxergar beleza na desgraça – de bela esta não tem nada.

Professor da USP e médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Barros escreveu o livro bem antes da pandemia, claro. Mas ao falar sobre ela, em recente entrevista ao jornal O Globo, ressaltou: em tempos de quarentena, “o medo pode nos salvar”.

Sim, o medo é uma emoção que nos protege. Identifica a ameaça e nos defende, e com isso fugimos do perigo que está no horizonte. Medidas de precaução, ele lembrou, são tomadas apenas por quem tem medo: “Quando a gente entende o que a emoção negativa está sinalizando para nós, conseguimos lidar bem com ela. Está em home office e com medo de perder o emprego? O sentimento sinaliza e você reage. Como reagir? Trabalhando.”

Dois riscos adiante. O primeiro (alerta meu) é a negação do medo, o que na política é um caso sério, pois nos leva a líderes autoritários que nos conduzem a escolhas perigosas.

O segundo risco (alerta do próprio Daniel Martins de Barros): o medo virar pânico. E pânico leva à paralisia e às atitudes irracionais.

Do medo e da democracia

Volto a Sérgio Abranches. Um dos nossos maiores cientistas sociais do Brasil, autor de análises clássicas da nossa sociologia e da política (entre seus livros mais recentes estão Presidencialismo de coalizão e A era do imprevisto, ambos lançados pela Companhia das Letras), Abranches lembra que, na política, o pior conselheiro são o medo, a ansiedade e o receio do desconhecido.

Vínhamos de um medo generalizado no Brasil e no mundo – o que facilitou a emergência dos cupins da democracia, líderes que estão roendo a democracia por dentro.

Ou seja, para superar a crise na política, como diagnosticada pelo cientista político, falta olhar o medo com o olhar sugerido pelo médico.

Um equilíbrio entre as emoções negativas e positivas para enfrentar tanto a pandemia quanto líderes insanos e autoritários.


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