Dia mundial da África

Como as literaturas africanas mudaram a história

Durante séculos, a história da África foi contada nos outros continentes através dos olhares estrangeiros, não dos próprios africanos na sua diversidade de etnias. Como um capítulo de antropologia e etnografia, a grande maioria dos livros sobre a África dessa época foram escritos por árabes e europeus. 

Diferentemente destes, os povos africanos se caracterizam pela transmissão de conhecimento por meio da oralidade. Por isso, segundo estudiosos africanos como Amadou Hampâté-Ba e Boubou Hama, o historiador deve iniciar-se primeiramente nos modos de pensar da sociedade oral antes de interpretar suas tradições.

Alberto da Costa e Silva, africanólogo brasileiro, destacou em entrevista como esse modelo hegemônico prejudicou a formação do imaginário social: “os historiadores brasileiros sempre viam a história das relações Brasil-África com a África figurando como fornecedora de mão de obra escrava para o Brasil, como se o africano que era trazido à força nascesse em um navio negreiro”.

“Era como se o negro surgisse no Brasil, como se fosse carente de história. Nenhum povo é carente de história. […] O negro não aparece como o que ele realmente foi, um criador, um povoador do Brasil, um introdutor de técnicas importantes de produção agrícola e de mineração do ouro”, ressalta Alberto. Mas essa visão uniforme sobre a cultura africana começa a mudar no século XIX, em parte por influência da literatura. 

No Brasil, destacavam-se Luiz Gama e Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista negra da América Latina e a primeira autora mulher abolicionista da língua portuguesa. Além deles, também ganharam notoriedade os célebres Cruz e Sousa, ícone do movimento simbolista, Lima Barreto, autor pré-modernista, e Machado de Assis, considerado o maior escritor da literatura brasileira. 

Nessa época, surge o pan-africanismo, um movimento de grupos de afrodescendentes nos Estados Unidos e no Haiti, cuja primeira geração era formada pelos intelectuais Paul Cuffee, Martin Delany, Alexander Crummel, Marcus Garvey, W. E. Du Bois, entre outros. Em meados dos anos 50, surgem divergências sobre os rumos do movimento, notadamente entre o escritor senegalês Leopold S. Senghor e o psiquiatra martiniquense Frantz Fanon.

Durante a invasão e ocupação da África pelos europeus, nascem outros movimentos em defesa dos direitos dos negros e contra o racismo. Nesse contexto efervescente, se desenvolvem literaturas africanas engajadas. A poesia, que era marcada pelo protesto anti colonial, sem deixar de ser humanista e social, e o romance, 

Alguns nomes importantes das literaturas africanas da época são os angolanos Agostinho Neto, Viriato da Cruz e Mário Antônio, os moçambicanos José Craveirinha e Orlando Mendes, os guineenses Abdulai Sila e Filinto de Barros, os cabo-verdianos Corsino Fortes e Orlanda Amarilis e Alda do Espírito Santo, de Sâo Tomé e Príncipe. 

Já na segunda metade do século XX, depois da descolonização da África, nascem algumas iniciativas institucionais para contar a história da África a partir da perspectiva dos próprios africanos, como a UNESCO lança a coleção História Geral da África em 1964. A coleção é editada quase 30 anos depois, com a colaboração de 350 cientistas e 39 especialistas, dos quais dois terços são africanos.

Ainda hoje o debate sobre cultura afrodescendente e racismo se expressa na literatura. Tanto por escritores que habitam o continente africano, quanto por autores afrodescendentes. O filósofo anglo-ganês Kwame Appiah, o filósofo congolês V. Mudimbe, o escritor político queniano Ali Mazrui, o escritor moçambicano Mia Couto e o jornalista angolano José Eduardo Agualusa são alguns dos autores contemporâneos de destaque. 

No Brasil destaca-se a criação dos Cadernos Negros em 1978. Organizada pelo Quilombhoje, a série de contos e poemas compunha o principal veículo de divulgação da escrita dos autores afrodescendentes brasileiros. Alguns dos principais nomes da literatura afrobrasileira contemporânea são Raimundo Sousa Dantas, Heloisa Pires de Lima, Júlio Emílio Braz, Alzira Rufino, Edimilson de Almeida Pereira e Jussara Santos.

Buobooks indica:

Escravidão II – Laurentino Gomes

Sem gentileza – Futhi Ntshingila

África – Contos Do Rio, Da Selva E Da Savana – Silvana Salerno

Ubuntu, Madiba! – Regina Gonçalves

Kitutu – Raul Lody

O Público E O Político Em Angola – Paulo C. J. Faria


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