“A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: Muda para vencer! Muda, Brasil!” O discurso do deputado federal Ulysses Guimarães no dia 5 de outubro de 1988 é uma boa síntese do que esteve por trás de um dos momentos mais decisivos da história recente do país: a promulgação da Constituinte. 

O ordenamento jurídico é o sétimo do Brasil e o sexto desde que o país é um República, e principalmente um marco aos direitos dos cidadãos brasileiros, por garantir liberdades civis e os deveres do Estado. No contexto em que foi criada, a Constituição Cidadã também foi um símbolo da redemocratização do país. Este processo, no entanto, foi turbulento e aconteceu quase uma década depois da Lei da Anistia e da liberação de novos partidos.

Mesmo com a pressão popular por eleições diretas, o pleito para a presidência em 1985 foi indireto, ou seja foi o Congresso que escolheu o presidente. No caso, a opinião pública apoiou abertamente a candidatura de Tancredo, que foi a decisão do Colégio Eleitoral. Contudo, o primeiro presidente eleito depois do regime civil-militar sofreu uma doença e faleceu pouro tempo depois, dando lugar a José Sarney, um apoiador da ditadura.

Durante a presidência de Sarney, houve um plento para o Congresso Nacional, de deputados e senadores. Os 559 eleitos formaram a Assembleia Constituinte, que elaborou a nova Constituição entre 1987 e 1988. É uma das mais extensas constituições já escritas, com 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos. Mesmo assim, ela é considerada incompleta, pois vários dispositivos que dependem de regulamentação ainda não entraram em vigor. 

Entre as principais determinações da Constituição Cidadã estão o sistema presidencialista de governo, com eleição direta em dois turnos para o Poder Executivo, a transformação do Poder Judiciário em um órgão verdadeiramente independente, apto inclusive para julgar e anular atos do Executivo e Legislativo, o direito ao voto para analfabetos e menores entre 16 e 18 anos de idade, entre outras. 

No conjunto, a Constituinte de 1988 se caracteriza por ser amplamente democrática e liberal – no sentido de garantir direitos fundamentais aos cidadãos brasileiros. Apesar disso, a Carta atual foi e continua a ser muito criticada por diversos grupos, que afirmam que ela traz muitas responsabilidades econômicas e sociais ao Estado. Outra crítica era à pouca participação de forças e movimentos sociais nas decisões dos órgãos públicos.

Mas não há dúvidas de que a Constituição Cidadã contribuiu para o fortalecimento democrático. Uma das medidas que expressam isso é a divisão e independência dos três poderes da República: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, com responsabilidades de controle recíproco entre eles. A liberdade de imprensa, pensamento e organização foi outra conquista social alcançada após anos de censura prévia e perseguição política.

Diante das críticas aos limites da Constituinte de 1988, dois caminhos principais são propostos trinta e três anos depois da sua promulgação: a melhoria do texto ou a elaboração de outro sobre novas bases. No ano passado, o deputado federal Ricardo de Barros (PP-PR) chegou a sugerir a realização de um plebiscito para decidir sobre a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

No entanto, as motivações e as orientações de um possível novo texto são diversas. Enquanto forças representadas por Ricardo de Barros argumentam que a Carta é pródiga em direitos e avara em deveres, outras reivindicam um aprofundamento da democracia,  maior distribuição de renda e as reparações históricas com grupos sociais. Os caminhos coletivos estão sendo traçados.