Jacqueline Farid, autora do livro Prana, escreve sobre sua ida à Índia e como a viagem inspirou a mistura entre e realidade e ficção. “Sempre adorei viajar e escrever sobre as viagens realizadas é uma forma de prolongá-las, de elaborar as profundas transformações internas que elas trazem e de compartilhá-las com outras pessoas”, escreve ela. Seu livro está disponível na Buobooks.
Sempre ouvi dizer que a Índia “chama” o viajante quando ele está preparado.
No meu caso, esse chamado ocorreu durante um retiro de yoga no interior do Estado do Rio de Janeiro, onde moro. Naquele momento, em setembro de 2017, eu tinha acabado de lançar meu livro No Reino das Girafas, inspirado em viagens à Namíbia, e planejava retornar à África.
Não sei em qual momento do retiro eu decidi que iria à Índia e escreveria um livro chamado Prana, mas o fato é que, ao retornar para casa, já tinha decidido empreender a viagem, que aconteceu meses depois, em fevereiro de 2018.
De fato, chegar à Índia foi, para mim, como aterrissar em outro planeta. As cores, os cheiros, a comida, as multidões, os tuk tuks e, especialmente, a espiritualidade que se torna visível nos inúmeros templos me inebriaram e o livro foi nascendo, naturalmente, ao longo da viagem.
A história de Prana começa, no entanto, bem antes, há décadas, quando decidi me tornar escritora, ainda muito jovem. Acabei me formando em jornalismo e adiando esse projeto, até que me apaixonei pela Namíbia em uma sucessão de viagens de férias ao país e, já com mais de 40 anos, para compartilhar essa experiência, escrevi o meu primeiro romance.
Trabalhei por anos como repórter e não queria, entretanto, que meu livro fosse uma reportagem. Meu interesse era por uma experiência de fato literária e, assim, criei uma história que mistura ficção e relato de viagem.
Gostei dessa mistura de realidade e ficção e decidi que o dispositivo de viagem seria a base do meu caminho como escritora. Sempre adorei viajar e escrever sobre as viagens realizadas é uma forma de prolongá-las, de elaborar as profundas transformações internas que elas trazem e de compartilhá-las com outras pessoas.
Tenho também profundo interesse pela dramaturgia, a narrativa ficcional e, assim, me fascina fazer uma espécie de jogo com o leitor que, ao ler Prana ou No Reino das Girafas, não consegue discernir o que é ficção ou realidade. Afinal, a memória é sempre um pouco inventada.
O que importa, na minha opinião, é que na leitura, através da imaginação, o leitor encontra sua própria verdade e eu acabo me tornando uma guia na viagem sem deslocamento que ocorre durante a leitura.
Viagens, para mim, são instrumento de contemplação, de transformação e de um profundo pacto com a vida. Gosto de viajar sozinha e da sensação de indescritível de liberdade que me invade quando desembarco em algum país distante, onde sei que serei redimensionada.
O viajante tem a oportunidade de se conhecer sob outras perspectivas e de estabelecer uma relação de intensa fé na vida, porque o desconhecido sempre traz riscos dos quais costumamos estar mais protegidos em territórios já mapeados.
Viajar é acionar um movimento cujas consequências não podem ser antevistas. Mesmo que tudo seja minuciosamente organizado, o inusitado da vida vai achar uma greta para se infiltrar quando estamos desbravando outros lugares. O destino não precisa ser exótico ou distante, mas é claro que quanto mais diferente do nosso lugar de origem, maior o potencial transformador da experiência.
A união de viagem e literatura, que já rendeu Prana e No Reino das Girafas, vai prosseguir no meu trabalho de escritora. Meu próximo livro, já em processo de escrita, vai contar, também misturando ficção e realidade, uma viagem que fiz ao Líbano e à Jordânia no ano passado.
Esse livro, que ainda está nascendo, terá um ingrediente a mais como desafio, que é esbarrar na história da minha família. Conheci, no Líbano, a cidade na qual nasceram meus avós maternos e estou curiosa para saber o que eu vou contar sobre essa experiência a mim mesma e aos leitores.