Rubem Fonseca, um homem idiossincrático e autor inconfundível

Rubem Fonseca, um homem idiossincrático e autor inconfundível

Rubem Fonseca é uma das principais referências literárias brasileiras e suas histórias de crime perturbadoras e carregadas de obscenidade são metáforas sombrias para a podridão da sociedade brasileira. Ao longo de mais de meio século, o autor escreveu três contos, romances e roteiros que excitaram e chocaram os brasileiros com seu conteúdo sórdido.

José Rubem Fonseca nasceu em 11 de maio de 1925, em Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais. Seus pais, Alberto Augusto Fonseca e Julieta Mattos Soares, eram imigrantes portugueses, e sua família mudou-se para o Rio quando tinha 7 anos. Depois de estudar Direito, tornou-se policial e atuou principalmente em relações públicas.

Ele foi um dos nove diretores escolhidos para passar um ano na New York University estudando administração de empresas. Deixou a polícia em 1958 e mais tarde foi diretor do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, que apoiou o golpe militar em 1964 e o regime que seguiu. Mais tarde, ele negou esse apoio, embora os documentos sugiram o contrário.

Sua primeira coletânea de contos “Os prisioneiros”, publicada em 1963, foi notável por sua mudança de cenário, do campo, que a ficção brasileira tendia a favorecer, ao meio urbano, refletindo a transformação do país de uma economia totalmente agrícola para uma economia progressivamente industrial.

Rubem Fonseca se inspirou na experiência da vida real, como por exemplo sua atuação como policial, para a criação literária. Não é por acaso que seus narradores costumavam ser inspetores de polícia, advogados criminais ou detetives particulares, e suas histórias descrevem crimes passionais e mesquinhos de um modo tão lírico quanto cruel.

O autor entrou em conflito com o regime militar em 1975, quando seu livro de contos “Feliz Ano Novo” foi proibido e descrito como uma “obscenidade literária” pelo então secretário-geral do Ministério da Educação do Brasil, Euro Brandão. O livro, campeão de vendas, foi relançado no Brasil em 1986, três anos após o fim da ditadura.

“Escrevi 30 livros. Todos cheios de palavras obscenas”, disse o autor em um de seus raros discursos, durante a cerimônia de entrega do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2015. “Um escritor não pode discriminar as palavras, a não ser que ele vá escrever um livro infantil.”

De fato, muitos leitores se apaixonaram pelas suas histórias sobre crimes dramáticos e erotismos francos, mas sua ficção também gerou um mal-estar mais profundo no Brasil, à medida em que o país passava por um período turbulento. Na época, Fonseca era o escritor brasileiro mais influenciado pela literatura e pelo cinema estadunidenses. 

Ser autor de bestsellers e vencer o Prêmio Jabuti é uma marca e tanto na literatura do Brasil, onde poucas pessoas lêem e a média de impressão é de apenas algumas milhares de cópias. Em um país com mais aparelhos de televisão do que geladeiras, Rubem Fonseca selou sua fama quando muitas de suas obras foram adaptadas para cinema e TV.

Seu romance mais popular, “A Grande Art”, foi a base para o primeiro longa-metragem do renomado diretor Walter Salles, “The Knife”, lançado em 1991. Já o romance do autor mais aclamado pela crítica, “Agosto”, que retrata uma série de crimes que culminou com o suicídio de um presidente brasileiro, virou minissérie da TV Globo.

“Bufo & Spallanzani” é outra obra que traz símbolos vida do autor: conta a história de um romancista popular que se torna o principal suspeito de um assassinato. O livro foi um sucesso de vendas no Brasil e alcançou maior renome quando foi transformado em filme dirigido por Flávio Tambellini e estrelado pelas maiores estrelas das telenovelas brasileiras.

Em 2003, o Rubem Fonseca recebeu o Prêmio Camões, a maior homenagem literária da língua portuguesa, patrocinado pelos governos do Brasil e de Portugal, e em 2015 ganhou o Prêmio Machado de Assis da ABL. Seu discurso de aceitação foi caracteristicamente breve. “Sou um homem idiossincrático e idiossincrasias não se explica”, disse ele à academia.