Como muito bem disse Platão, antes de Cristo, “a filosofia nasce do espanto”. Ou, nas palavras de Maurice Marleau-Ponty, mais de dois mil anos mais tarde, “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”. E nunca custa repetir René Descartes, lá no século XV: “Penso, logo existo”. Isso tudo quer dizer que filosofar é viver, é observar o mundo, é buscar o autoconhecimento. É algo intrínseco a todos nós e aos menores aspectos das nossas vidas, por mais simples e mundanas que possam parecer.
Na Buobooks, temos dois livros saborosíssimos, disponíveis em português para muitos países, que deixam bem claro esse aspecto cotidiano da filosofia.
Filosofia para Ocupados (LeYa Brasil) aborda dos pré-socráticos aos tempos modernos em apenas 208 páginas. Percorre desde antes do mito da caverna de Sócrates e Platão ao existencialismo de Sartre e a desconstrução de Derrida.
Será então que, a partir desse panorama de tudo o que foi pensado por algumas das maiores mentes da humanidade, poderemos finalmente desvendar o sentido da vida? Claro… que não!
Como a autora Lesley Levene escreve logo nas primeiras linhas do livro, o simples fato de a obra abranger um período de cerca de 2.500 anos de questionamentos e teorias já sugere que não existem respostas prontas para questões ligadas à existência. “No entanto, desde o começo dos registros, os homens vêm fazendo perguntas filosóficas como forma de entender o mundo e o papel que desempenham nele”, afirma.
Parafraseando o filósofo inglês Bertrand Russell, ela lembra que a filosofia abrange ao mesmo tempo ciência e teologia para tentar aplicar a razão humana a especulações em áreas nas quais o conhecimento definitivo ainda não está disponível. “Por mais que surjam novos conhecimentos, o fascinante é que as questões continuam a nos perseguir. Trata-se de um bom sinal, porque não há nada como uma dose saudável de especulação – desde que se esteja bem informado.”
Filosofia para ocupados é assim: junta humor, leveza e muito conteúdo para mostrar que a filosofia faz parte do nosso dia a dia e, mais do que isso, pode – e deve – ser lida por todos nós, em qualquer momento e situação. E o objetivo final é fornecer os recursos necessários para que cada leitor seja capaz de, com base em algumas das melhores ideias já registradas, pensar e especular por conta própria.
Ou, em outras palavras, na citação do escritor Ambrose Bierce que abre o volume, “todos são lunáticos, mas aquele que consegue analisar os próprios delírios é chamado de filósofo”.
Porém, em alguns momentos, a excentricidade de certos pensadores pode nos levar a crer que filosofia em nada tem a ver com a nossa realidade. No Manual de sobrevivência filosófico (Jardim dos Livros), Carlos Blanc revela que, realmente, os filósofos sempre foram considerados “uma gente diferente, vistos até como um pouco pirados ou como alguém que vive num outro mundo”. E assume que a culpa dessa imagem é deles mesmos. Afinal, Sócrates frequentemente entrava em “transes filosóficos”, Diógenes de Sinope morava num tonel de vinho, Crates adorava atentar contra o pudor, Kant era metódico ao ponto de os habitantes da cidade em que ele vivia acertarem seus relógios de acordo com o passeio do filósofo – que todos os dias passava pela porta da igreja exatamente à mesma hora…
“Esse é o paradoxo do filósofo”, conta Blanc. “Ele vive no mundo do pensamento, vigiando as estrelas, especulando ideias, elaborando conceitos, e mal olha o chão. Acaba se distanciando do mundo e vira motivo de graça de gente ignorante…”
Apesar dessas contradições, as ideias concebidas por eles foram fundamentais para aspectos muito práticos das nossas vidas e para o avanço da humanidade como um todo. Eles estabeleceram conceitos como justiça, ética, política, educação, estética, psicologia, metafísica… Ou seja, foram os filósofos que construíram a base da nossa civilização e de tudo o que sabemos – e questionamos – hoje.
A proposta do Manual de sobrevivência filosófico é botar esses grandes pensadores para conversar sobre temas que até hoje mexem com a gente – e, por isso mesmo, sempre foram os tópicos mais discutidos da filosofia: amor, angústia, beleza, desejo, existência, felicidade, liberdade, loucura, moral, morte, prazer, religião, sabedoria, tempo… E, assim, apresenta um livro repleto de dicas, sugestões, reflexões e conselhos para este agitado e imprevisível século XXI.
São dois livros para ler, reler, consultar e pensar, pensar, pensar…