No início do século XX, as ideias do psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) provocaram uma guinada no pensamento teológico. Se, como ele insinuava, a crença em Deus tinha origem nas neuroses humanas e a fé seria algo próprio dos desamparados, a religião estaria destinada a desaparecer – cedendo espaço a uma era científica. Pois a oposição entre psicanálise e religião é, aparentemente, gritante: enquanto a primeira está voltada ao mundo real (ainda que pelo filtro do psiquismo humano) e na sua constituição a partir da cultura, a outra tem como base a transcendência e uma conexão com o divino por meio de crenças e rituais. Mas a história mostra que, muitas vezes, as duas disciplinas foram capazes de caminhar lado a lado.
Escrito por Ricardo Torri de Araújo, Deus analisado: Os católicos e Freud é uma obra premiada que estuda as relações de Freud com a religião. Ao mesmo tempo, tece um detalhado panorama histórico da recepção da psicanálise pelo catolicismo. O autor, sacerdote jesuíta, mestre em Psicologia (UFMG), doutor em Teoria Psicanalítica (UFRJ) e professor do departamento de Psicologia da PUC-Rio, lança mão de uma vasta biografia para, num texto acessível aos iniciantes que também vai instigar e encantar os já iniciados, mostrar como os dois campos, com todas as suas nuances, podem interagir e, mais do que isso, se complementar.
Publicado no Brasil pela Edições Loyola, o livro, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Psicologia, Psicanálise e Comportamento, está agora disponível a leitores de todos os cantos do planeta pela Buobooks.
Foram fontes do autor os escritos de Freud, seu conjunto de correspondências e suas mais importantes biografias, proporcionando uma pesquisa minuciosa sobre a relação o pai da psicanálise com a religião, incluindo sua postura frente ao judaísmo, o catolicismo, o protestantismo e o ateísmo. Paralelamente, o livro registra como a Igreja passou a conviver com a crítica freudiana da crença religiosa. Em muitas idas e vindas, a recusa fervorosa dos primeiros dias acabou por dar espaço a uma abertura tanto à teoria quanto à prática psicanalistas.
Como Ricardo Torri de Araújo escreve no livro, “depois de um estranhamento inicial, na grande ‘fermentação’ que antecedeu o Concílio Vaticano II e, sobretudo, após a realização do mesmo Concílio Ecumênico, a Igreja olhou para a psicanálise com grande esperança. Não poucos católicos passaram a frequentar a obra de Freud, e um número ‘bíblico’ de jesuítas entrou na escola de Lacan.” Hoje, é possível dizer que, de alguma forma, toda a teologia católica está aberta a um diálogo com a psicanálise.
E a leitura de Deus analisado deixa claro que essa troca seguirá intensa e produtiva por muito tempo, enriquecendo imensamente o conhecimento humano. Afinal, as respostas da religião podem estar nas perguntas da psicanálise – e vice-versa.