Tristes ventos sopram na democracia brasileira. Às voltas com a mais trágica crise sanitária e de saúde da história recente, o Brasil assiste, perplexo, a uma sucessão de gravidades que torna tudo muito mais difícil no enfrentamento da pandemia, revela um país à deriva e escancara uma verdade que muitos brasileiros ainda fingem ignorar: nossa democracia é hoje um doente terminal.

Os ingredientes são especialmente sombrios:

1. As insanidades protagonizadas por um presidente que insiste em ignorar a ciência e pregar contra as medidas de isolamento social; 2. A ausência clara de capacidade de liderar o país no meio da crise e, ao contrário, afrontar diariamente governadores, prefeitos e adversários convertidos em inimigos; 3. Uma crise econômica ainda mais acentuada pelos erros e pela insensibilidade governamental; 4. Os indícios fortes de crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, tanto no enfrentamento da pandemia quanto nos episódios relacionados à Polícia Federal, Sergio Moro, Queiroz, os filhos, milicianos e congêneres.

Compreensível, portanto, o país voltar a discutir um impeachment – falta a mobilização da sociedade e o estímulo a parlamentares para o assunto ganha força no Congresso e pedir o afastamento do presidente Jair Bolsonaro.

Se isso ocorrer, será o quinto processo brasileiro (os outros foram Carlos Luz e Café Filho na década de 1950; Fernando Collor em 1992; Dilma Rousseff em 2016 – Michel Temer escapou por pouco, mas essa é uma outra história). Estive no front do processo de Dilma Rousseff, como seu secretário de Imprensa, e relatei em livro como foram aqueles meses de seu calvário a partir da ótica de quem trabalhava no Palácio do Planalto.

Saga política: o livro de Luis Costa Pinto

Nestes tempos de assombro democrático, é imperdível a leitura de Trapaça, livro do jornalista Luis Costa Pinto publicado pela Geração Editorial, editora parceira da Buobooks. Lula, como é conhecido pelos amigos, tinha apenas 23 anos em 1992 e uma energia quase incomparável para investigar fatos. Foi dele a primeira e bombástica entrevista do irmão do presidente, Pedro Collor.

Naquela entrevista, publicada na revista Veja (veja foto acima), Pedro revelou esquemas de corrupção e abriu as portas para o impeachment do primeiro presidente eleito no país depois de 21 anos de ditadura militar – a pá de cal viria com o motorista que servia à família presidencial.

Costa Pinto não era só um repórter investigativo tinhoso, foi sempre também dono de um dos melhores textos da imprensa brasileira. Nas redações por onde passou ou agora, em livro, demonstra saber como poucos que um bom jornalista é aquele que incomoda o poder e sabe contar uma boa história.

Diálogos surpreendentes, bastidores, reviravoltas, tramas que mais parecem ficcionais – eis os ingredientes de thriller presentes em Trapaça, cujo subtítulo é providencial: saga política no universo paralelo brasileiro.

“O impeachment de Fernando Collor, em 1992, uniu o país e consolidou a democracia brasileira porque foi um ato político tomado em defesa da Constituição de 1988”, diz Costa Pinto, comparando os dois processos de impedimento de presidentes da República já consumados no Brasil. “Conhecer os bastidores do processo que apeou Collor é muito didático para compreender como se constrói um governo de união nacional, como foi o de Itamar Franco, apesar das divergências partidárias entre o PSDB e o PT. Ao contrário do impeachment de 2016, cujo fundamento jurídico era gasoso, a deposição de Fernando Collor consolidou o período mais estável e mais próspero da História democrática do país: o intervalo compreendido entre 1994 e 2015.”

Se, para a leitura política de nossa democracia, este já seria um belo presente de Costa Pinto, melhor ainda é saber que ele brindará os leitores com outros volumes, que percorrerão os governos seguintes a Collor, até o presente. Seja na condição de repórter, seja na condição de consultor (que também virou protagonista), ele narrará os bastidores de irregularidades, lobbies, negócios escusos, paixões e mentiras que fazem a crônica de nossa política.

Com foco no governo tampão de Itamar Franco e no primeiro período de Fernando Henrique Cardoso, o segundo volume sai em meados de junho, com prefácio do jornalista Ricardo Kotscho, que diz, com precisão: “Lula (Costa Pinto) podia ser íntimo dos políticos, mas nunca cúmplice”. O segundo volume também estará na Buobooks.